Topo do Mundo a Santos Dumont de Parapente

Voando 150km em 3h e 45 min.

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voo de parapente
voo de parapente

Vamos falar de voo de distância? É o chamado voo xc ou voo Cross Country , onde o piloto permanece por várias horas voando e percorre vários quilômetros e até centenas deles.

A preparação para um voo assim começa dias antes, já analisando a previsão meteorológica levando em conta o vento, sua intensidade e direção. Além desse quesito não menos importante é avaliar a pressão, formação de nuvens, pois isso nos dar uma ideia de como será o dia de voo. Não vou aprofundar muito nos detalhes das análises pra não tornar a leitura um pouco chata. Em outro momento, aprofundo no tema.

Vamos falar neste post sobre um voo muito importante, não somente pela quilometragem final voada que foi de 150 kms se tornando o melhor voo do ano na serra da moeda, mas também pelo local onde pousei que foi na cidade que leva o nome do pai da aviação Santos Dumont-MG. A decolagem na rampa de voo livre serra da moeda, local também conhecido como Topo do Mundo, nome dado a parte mais alta da cordilheira. A decolagem se encontra há 1470M de altitude em relação ao nível do mar.

O dia era 18 de janeiro de 2018, uma quinta feira "sem lei". Cheguei na rampa cedo como de costume e já fui conferindo se o que a atmosfera me mostrava era o que havia mentalizado com as previsões analisadas nos dias anteriores. Era dia de vento girando de moedinha NE (Nordeste) para o moedão N Norte. com o vento nesse quadrante o vento entra meio lateral na rampa vindo de direita e requer cautela pois pode gerar fortes rotores na frente da rampa. Ideal decolar na calada do vento, onde tem mais chances de boas térmicas a frente, assim já decola e sobe rápido afastando do relevo.

Foram horas de espera até a condição amadurecer, começar a funcionar e ter condições seguras de decolagem. Tinha vários pilotos na rampa, mas somente um deles estava disposto a seguir o voo junto comigo. Era o amigo recém-conhecido Vitinho de São João Del Rey. Decidimos que eu decolaria primeiro e ele logo na sequencia pois havia voado na Moeda apenas uma vez antes. Eu havia acabado de chegar na mesma semana do campeonato mineiro de parapente que tinha acontecido em Governador Valadares e estava na pilha, com a faca nos dentes como costumamos dizer no voo livre.

Como sempre prezo pela segurança optei por esperar e fui checando os equipamentos, conferindo gps, rádio, velame, selete e etc. Decolei as 11:50 da manhã e ali mesmo na cara da rampa já peguei um início de ciclo térmico subindo a 1M por segundo. Logo ao ganhar cerca de 100M acima da decolagem já fui derivando pela tão famigerada termal da cachoeira sentido o Topo do Mundo. A termal foi arredondando e fui subindo entre 2m/s e 3M/s com uns picos mais fortes que vamos desconsiderar neste momento.

O Vitinho decolou e veio subindo forte um pouco logo abaixo, porem teve problemas com o rádio e estávamos sem comunicação. Como o dia estava promissor e com horário bastante avançado e por eu ter características de não subir muito quando vejo a condição funcionando à frente, não quis perder tempo e tão logo atingi 2000 M em relação ao nível do mar já fui tirando pra frente sem olhar pra trás, pois via boas possibilidades a frente. Só logo mais à frente percebi que ele não ia me seguir na rota e decidi fazer o voo planejado, sendo somente eu, os pássaros e papai do céu abençoando sempre.

Fui fazendo a transição sempre subindo e ao passar por onde funciona hoje a Coca Cola já estava com altitude de 2800M. O voo estava confortável, fui usando a convergência da montanha, seguindo as linhas de cloudstreet, que são o alinhamento das nuvens no céu. Ao chegar no Trevo de Moeda já estava com 2940M o que me possibilitou muito conforto e segurança pra fazer a travessia de uma rede de alta tensão que tem ali e as imensas cavas de mineradoras que faz com que as áreas para um pouso sejam muito restritas e perigosas.

Passei alto pelo viaduto das almas, onde considero um ralo que suga pra baixo e sempre à meia altura fica difícil passar pelas fortes descendentes, muitas vezes acabei por pousar ali próximo. Prefiro fazer o voo a direita da cordilheira pelo vale, mas nesse dia as nuvens estavam lindas e como estava alto fui surfando pelas ascendentes e sempre com a rodovia Br 040 logo em baixo. Tão logo se passa pelo trevo de Belo Vale o terreno tende a ir descendo sentido Congonhas e junto com ele o teto (altura das bases das nuvens) também desce, mas um compensa o outro. Fui sempre usando as melhores linhas embaixo das nuvens para voar otimizado, rápido e sem perder muita altura voando nas tiradas velocidades médias acima dos 70km/h. Assim consegui passar a 2400M em média de altitude pela cidade de Congonhas e já com quase 40km voados e em um voo bem rápido vindo ao final ter uma média muito bacana de 40km/h

O entre ciclo mais difícil veio com 01:30 de voo ao chegar em Conselheiro Lafaiete, onde fiquei praticamente na mesma altura de decolagem. hora bem técnica, pois, tinha pouca altura pra mapear áreas de ascendente pra subir e sair dos 1500M e me colocar de volta ao voo. Consegui subi em uma termal espetacular com seus 4M/s logo ao passar pela cidade. Voltei ficar baixo essa mesma altura pouco antes de chegar em Cristiano Otoni MG. Ao subir novamente fiquei bastante empolgado pois o vento mantinha a direção empurrando de norte pra sul. É comum nesta rota, tão logo passemos por Conselheiro Lafaiete em um voo livre de parapente o vento já começa a ficar fraco, começa a entrar de leste e logo em seguida de sul. Por várias tentativas de voo nessa rota pousei cedo por conta do vento contrário, e em outras vezes consegui inclusive voltar pra rampa voando, pois como não conseguia seguir em frente resolvi fazer um bate volta. Nesse dia estava especial e o vento continuava com intensidade e direção favorável pra rota no sentido Norte rumo ao Sul.

Mantendo a concentração consegui subi a cloudstreet estava linda e em atividade, teto alto conseguindo chegar aos 3000m de altitude. O voo seguia com um visual espetacular, consistente com um média muito boa e já via claramente a possibilidade de um voo de 3 dígitos, 100km de distância na rota Norte que é um feito bem difícil onde poucos pilotos conseguem passar pelos gaps, pelas roubadas da rota com poucas opções de pouso seguro.

No quilometro 100 passando pela primeira vez pela cidade de Barbacena, mantive a esquerda da cidade pra não invadir o espaço aéreo do aeródromo Major-Brigadeiro Doorgal Borges onde também funciona a EPCAR, escola preparatória de cadetes do ar. Nesse momento do voo veio a euforia desse feito e liguei a câmera que estava a bordo e resolvi registrar esse momento e daí em diante durante o voo até o pouso. Estava tão concentrado que até esse momento não havia registrado nada em imagens de vídeo ou fotos.

A empolgação somada a satisfação de estar fazendo um voo tão importante pra mim veio me custar um voo que poderia ser o voo recorde nessa rota, que é do saudoso Ney Murtha voando 170km pousando em Juiz de fora MG. Quando já estava por volta do km 130 consegui subi na maior altitude do voo chegando a passar os 3215M de altitude. Nesse momento as nuvens se dissiparam, o céu ficou diferente quase todo azul e fiz um planeio lindo igual uma tirolesa até o chão. imaginando que o dia térmico já teria chegado ao fim como acreditava ser de costume na rota fui tranquilo comemorando até a cidade de Santos Dumont. Antes de pousar até tentei girar em uma térmica quando percebi que alguns fiapos de nuvens voltaram a se formar, mas estava fraca e não consegui subi. Logo após pousar e mesmo antes de dobrar o equipamento as nuvens voltaram a ganhar forma e funcionar novamente fazendo a ficha cair, que as 15:30 da tarde em pleno horário de verão ainda tinham muito voo pela frente e esse seria um dia raro e que dificilmente iria se repetir com as mesmas condições favoráveis sendo possível um voo acima dos 200km nessa rota.

Mas enfim, pousar em Santos Dumont voando 150km em 03:45 minutos de voo já é um feito muito bacana, tanto que hoje já em 2023 05 anos depois eu e nem ninguém superou o mesmo. Já cheguei bem próximo, mas com voo muito mais difícil e com média de velocidade muito inferior. Dias assim tem que manter o foco e acreditar até o fim pra aproveitar ao máximo.

Após o pouso, fiz uma pequena caminhada até as casas próximas e aí foi explicar pra criançada como que vim "caí" ali, de onde eu vim e se tinha como eu decolar de novo pra eles verem rsrs. Na verdade, as perguntas praticamente são idênticas quando se pousa e é avistado especialmente por crianças. Mas os adultos também são bem curiosos e eu sempre tenho a paciência e me sinto honrado em responder de forma simples para que eles entendam e viagem pelas histórias que conto.

Seguindo pelo caminho consegui uma carona até o centro da cidade. Fui pra rodoviária, peguei o ônibus pra Belo Horizonte. Cerca de 03 horas de viagem já estava chegando na lagoa dos ingleses. Desci em frente à entrada de Brumadinho, fiz uma caminhada noturna até a rampa de voo livre da Serra da Moeda peguei minha motoca e fui pra casa em BH.

A magia do voo livre é contagiante. Quem experimenta uma vez nunca mais verás os céus e a terra com os mesmos olhares.

Que venha novos e longos voos nessa rota. Em breve posto outros relatos de voos como este que vieram um deles inclusive ser o melhor voo do ano seguinte em 2019.

Vamos deixar o link do vídeo com trechos desse voo.

Obrigado por ter embarcado nesse relato até o final.